terça-feira, 24 de setembro de 2019

Crônica do trem

Crônica do trem


A moça sentada quase à minha frente, está tomada pelo sono da morte. Pelo jeito, nasceu mesmo primeiro que o sono. Pende-se para um lado e para outro numa luta doida para se manter, pelo menos, sentada e não cair de vez no banco ou cair do banco. 

De repente, olho para o lado, mais à frente. Um senhor magro usando boné e com uma bolsa de alpinista, como se não houvesse mais ninguém ao seu redor, escova os dentes tranquilamente dentro do trem. Escova... escova.... ôpa!! Parece que a escova lhe atingiu numa área sensível o que lhe rende um pulo e algumas caretas. Subitamente, tira da bolsa um lata com tampa e lança dentro o cuspe com a sujeira dos dentes... fechada a lata, põe-na dentro da bolsa. Saca de uma outra bolsa uma bolsinha menor onde ajeita a escova e acomoda-a dentro da mochila.

A pobre moça continuava sua luta para não deitar definitivamente no banco do trem ou cair no corredor. Quando de repente, cai de cabeça ao colo de um senhor cuja barriga lembra a um pote de barro bojudo de tão protuberante. Ele também cochilava levemente. Por azar, o pescoço da moça se enroscou na alça de uma bolsa preta que o tal senhor levava a tira colo e, então, começa a grande confusão: o senhor desperta-se em estado de grande desespero, pois se vê ali, dentro do trem, enroscado com uma moça jovem e linda. Num esforço atabalhoado  para se livrar da moça, puxa a bolsa para si, mas quanto mais o faz, mais os cabelos da moça se entranham no corpo dele. A moça, por sua vez, desperta-se do sono da morte sem entender o que se passava, e imediatamente tenta com dois braços, se livrar da alça da bolsa que lhe envolve o pescoço, cabelos e tal. O problema é que os dois foram despertados por essa situação inusitada, sem saber onde exatamente estavam e sem ter a chance de poder interpretar o contexto. Enquanto a moça esforça-se para seu lado, o senhor puxa a bolsa para si com mais força. Uma senhora próxima a mim, diz: “que barbaridade é essa, meu Deus!!” Algumas pessoas tentam ajudar para que ocorra o desenlace, mas a coisa parece piorar porque em tempo de acusações, o tal senhor pode ter, no mínimo, sua vida destruída e, na média, parar na prisão. 

Complica-se tudo porque uns fachos de cabelos longos da moça se enroscam em um dos botões da camisa do desesperado senhor! Este está agora em estado de pânico, com os olhos esbugalhados e suando feito chope gelado! A moça, por seu lado,  com a cabelança toda envolvida na alça da bolsa e presa ao botão do senhor, tenta sem sucesso, desprender-se. 

Para o trem, a cena prossegue e o senhor deveria descer nesta parada. Os passageiros que entram olham sem saber se é uma briga ou uma tentativa disso

O senhor arrasta-se na direção da porta puxando com as duas mãos a bolsa cuja alça está mais do que nunca atarracada, tal qual uma sucuri doida, ao pescoço da jovem. O botão não suporta a pressão e explode batendo na janela de vidro do trem, o som é similar ao daquelas balas de revólver em filmes de faroeste americano. Uma senhora que quase foi (neste caso, não baleada, mas) abotoada, abaixou-se tentando se proteger de um próximo ataque de botões. 

Bem, eu tive que descer na estação que mencionei e não vi o final da história. 

Posteriormente, depois de ter passado em um café e tal, de dentro de um ônibus  que me levava à estação próxima à universidade, vi, provavelmente, a moça do trem ... mas coitada, parecia uma galinha choca... o cabelo que era tão lindo e comprido, agora parecia ter sido cortado às pressas, de tal forma que se parecia mais uma nhambu desconsolada...

Nenhum comentário:

Postar um comentário